sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Escafandro e a Borboleta - de Julian Schnabel

Arrisco-me a dizer que ”O Escafandro e a Borboleta” (título original, Le scaphandre et le papillon, 2007) é o melhor filme que vi nos últimos quatro anos.

*por Bruno de Oliveira


Lembro-me bem daquele dia, era uma quinta-feira, sessão das 19h30 no cinema Unibanco Arteplex, um dos poucos cinemas que traz filmes dessa qualidade ao circuito Curitibano. Os créditos finais subiam na tela e eu não conseguia me mexer na cadeira, com lágrimas nos olhos, estava paralisado, assim como a personagem Jean-Dominique Bauby, protagonista do filme. Mas ao contrário dele eu não havia sofrido nenhum mal súbito, eu estava paralisado por ter acabado de vivenciar uma experiência cinematográfica que há muito tempo não vivenciara, emocionado com a bela história narrada no filme e ao mesmo tempo feliz e esperançoso pelo futuro do cinema.


O Escafandro e a Borboleta é baseado no livro homônimo escrito por Jean-Dominique Bauby, interpretado pelo ator Mathieu Amalric (Munique, 2005 e 007, Quantum of solace, 2008),  um bem sucedido editor da revista Elle, que sofre um acidente vascular cerebral e passa a viver com uma doença rara chamada de síndrome locked-in, deixando seu corpo completamente paralisado, com exceção de sua pálpebra esquerda. É através de seu olho esquerdo e de sua mente completamente lúcida que acompanharemos grande parte da história.

Investindo numa maneira perigosa de conduzir o filme, o diretor Julian Schnabel, nos conta grande parte da história utilizando câmeras subjetivas e a narração off, dois elementos historicamente não bem aplicados nos filmes. A subjetiva, nesse caso usada com maestria, nos coloca no lugar do protagonista, que estando completamente paralisado, e a quem só resta o olhar. Efeitos das pálpebras abrindo e fechando e correções de iris, transformam a luz em um personagem do filme. Em umas das cenas um médico costura a pálpebra do olho direito de Jean-Dominique que já não funciona mais. Vemos essa ação por dentro, a agulha perfurando a pele, a pálpebra sendo fechada aos poucos, e então a escuridão. Nessa mesma cena, ouvimos a voz interior da personagem esbravejando em vão com o médico, pedindo para que não realize o procedimento, num de seus momentos de maior desespero.

Contudo, apesar de sua situação, Jean-Dominique Bauby passa a encarar a realidade de maneira mais otimista. A narração em off em alguns momentos do filme é irônica, rendendo risadas aos de senso de humor mais ácido.

                          
O diretor, Julian Schnabel, conseguiu realizar um filme equilibrado. É um filme de arte, mesmo utilizando diversos artifícios do cinema dito “mais comercial”. A trilha Sonora, a narração em off e os flash backs que aparecem em abundância ao longo do filme, soam de maneira natural, quase imperceptível. Schnabel, além de gostar de contar histórias, tem um interesse particular pelas cinebiografias. Antes de O Escafandro e a Borboleta, que lhe rendeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes de 2007, ele já havia dirigido Basquiat, traços de uma vida, de 2006 e Antes do anoitecer, de 2000. E, além de diretor, também é pintor. A influência das artes plásticas é muito clara no visual de seus filmes. Ele brinca com cores e texturas com a mesma liberdade com que pinta seus quadros.

Em "O Escafandro e a Borboleta", Schnabel intercala sequências narrativas com momentos mais poéticos, como a imagem de um escafandrista em águas obscuras ou uma borboleta que percorre diversos cenários: metáforas da situação de Jean-Dominique. Sua doença é o escafandro onde está aprisionado, em seu corpo imóvel, sua dicção impossibilitada. E a borboleta, sua memória e imaginação, por onde viajamos junto com ele, e de onde somos trazidos de volta através de cortes secos na trilha sonora. Uma das belas sequêcias mais poéticas do filme é a cena em que Jean-Dominique em off fala de suas frustrações, enquanto vemos imagens de geleiras desmoronando.

Com um elenco bem inspirado, escolhas estéticas arriscadas mas 100% acertadas e muita sensibilidade, o pintor e cineasta Julian Schnabel consegue realizar mais que um filme, uma legítima obra de arte. “O Escafandro e a Borboleta” é programa obrigatório para quem gosta e estuda cinema.

Bruno de Oliveira

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